quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Da Si... e porque hoje é dia de S. Valentim...

"para o boneco azul e o boneco beringela :D


A invencao do amor


Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares a porta dos edificios publicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anuncios de aparelhos de radio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguem
no atrio da estacao de caminhos de ferro que foi o lar da nossa
esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidao da angustia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com caracter de urgencia
deixando cair dos ombros o fardo incomodo da monotonia quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coracao e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inuteis
Apenas o silencio
A descoberta
A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Nao sairam de maos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invencao conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem e uma mulher um cartaz denuncia
colado em todas as esquinas da cidade
A radio ja falou
A TV anuncia iminente a captura
A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e nas avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
e possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo
E preciso encontra-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique
Antes que a invencao do amor se processe em cadeia

Ha pesadas sancoes para os que auxiliarem os fugitivos
Chamem as tropas aquarteladas na provincia
Convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos decrete-se a lei marcial com todas as consequencias
O perigo justifica-o
Um homem e uma mulher conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade

E indispensável encontra-los domina-los convence-los
antes que seja tarde e a memoria da infancia nos jardins escondidos
acorde a tolerancia no coracao das pessoas

Fechem as escolas
Sobretudo protejam as crianças da contaminacao
uma agencia comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola e um pequeno triste
inexplicavelmente dado aos longos silencios e aos choros sem razao
Aplicado no entanto
Respeitador da disciplina
Um caso tipico de inadaptacao congenita disseram os psicologos
Ainda bem que se revelou a tempo
Vai ser internado e submetido a um tratamento especial de recuperacao
Mas e possível que haja outros
E absolutamente vital que o diagnostico se faca no periodo primario da doenca
E tambem que se evite o contagio com o homem e a mulher de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade

Esta em jogo o destino da civilizacao que construimos
o destino das maquinas das bombas de hidrogenio das normas de discriminacao racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declaracoes politicas
...
E possível que cantem mas defendam-se de entender a sua voz
Alguem que os escutou deixou cair as armas e mergulhou nas maos o rosto banhado de lagrimas E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
lhe lembravam a infancia
Campos verdes floridos
Agua simples correndo
A brisa das montanhas
Foi condenado a morte é evidente
É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execucao
foi necessario amordaça-lo e mesmo desprendia-se dele um misterioso halo de uma felicidade incorrupta
...
Procurem a mulher o homem que num bar de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabelecam barricadas senhas salvo-condutos
horas de recolher censura previa a Imprensa tribunais de excepcao
Para bem da cidade do pais da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com caracter de urgencia

Os jornais da manha publicam a noticia
de que os viram passar de maos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acacias
Um velho sem familia a testemunha diz
ter sentido de subito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescencia longinqua


(Daniel Filipe)



Es tu, voces, que fazem o milagre acontecer :)"

1 comentário:

Si disse...

Adoro poesia e quis partilha-la também c qm adoro, vocês!
um bjo e um xi apertado